Todo dia de manhã, antes de começar o batente, João da Cruz Oliveira, 62 anos, lavrador em Poconé, Mato Grosso, toma uma talagada de cachaça misturada com a raiz de uma planta conhecida como nó-de-cachorro (Heteropterys aphrodisiaca O. Mach). O cheiro é forte, mas o gosto até que não é mau. Lembra o de madeira cheirosa, como o sândalo. João da Cruz aprendeu a fazer a infusão com os pais, que lhe repassaram o costume, popular em todo o Pantanal Mato-Grossense. Pegam-se três pedaços de raiz, mergulha-se tudo na cachaça (ou em vinho branco) e deixa-se quatro ou cinco dias de molho, até a beberagem ganhar uma coloração avermelhada. Uma dose por dia, numa xícara de cafezinho, energiza as crianças preguiçosas, fortifica a memória, diminui o colesterol e, garantem os pantaneiros, previne a impotência sexual.
Por enquanto, o suposto efeito afrodisíaco ainda não foi testado. O interesse dos cientistas em relação ao vegetal está no campo da memória e do aprendizado. Pesquisadores da Unifesp fizeram estudos com ratos jovens e velhos. Para testar a memória dos roedores, os animais foram colocados em uma caixa com compartimentos que levavam a uma isca. Dentro dela havia um equipamento que dava choques se os bichos encostassem o nariz no local, instalado próximo ao alimento. Os ratos jovens aprenderam rapidamente que não deviam atravessar a caixa, mas os idosos demoraram um pouco para perceber isso, conta Elisaldo Carlini, diretor do Centro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas Unifesp. Depois, durante sete dias todos os animais beberam um líquido à base do extrato da planta nó-de-cachorro. Novamente, eles foram colocados à prova. Só que dessa vez os ratos idosos aprenderam a lição tão bem quanto os jovens.
O nó-de-cachorro, ou Heteropteris aphrodisíaca é um arbusto com cerca de um metro de altura, encontrado nos cerrados do Mato Grosso e de Goiás. A raiz, que tem semelhança anatômica com um pênis de cachorro (daí o nome), tem efeito revigorante. A mistura da planta com pinga (garrafada) é tomada pelos homens da região como estimulante sexual. É também conhecida como nó-de-porco, guaco, jasmim-amarelo, resedá-amarelo e tintureiro. Embora a nomenclatura em latim confirme a relação da planta com o desempenho sexual, os pesquisadores são unânimes em afirmar que a substância é um revigorante de uma forma geral, sendo recomendado às pessoas de mais idade. "A folha tem propriedades terapêuticas que ajudam a regularizar as funções do organismo como um todo, e por conseguinte, a função sexual", explica o professor Carlini.
Recentemente, em parceria com o laboratório paulista Biossintética, sua equipe conseguiu isolar quimicamente o princípio ativo da espécie e registrar o processo com um pedido de patente. Agora, eles examinam a toxicologia do vegetal e logo testarão seus efeitos em seres humanos. Está comprovado que a ação contra a perda de memória e a fadiga projeta o nó-de-cachorro como medicamento novo. Com as credenciais da planta, a Biosintética pretende transformar-se em produtor mundial de medicamentos contra o mal de Alzheimer, um mercado que movimenta 3 bilhões de dólares por ano. O drinque caipira de João da Cruz pode valer uma fortuna.
"Se tudo der certo e conseguirmos um volume de vendas parecido com o da Ginkgo biloba, por exemplo, que movimenta mais de US$ 500 milhões por ano no mundo, o departamento vai conseguir se sustentar por muito tempo", prevê o pesquisador, fazendo referência à substância que também é originária de uma planta e ajuda na recuperação física e cognitiva. "O nosso objetivo é criar no futuro um medicamento eficaz contra a perda de memória", informa Márcio Falci, diretor médico do laboratório. Falci também vê outras qualidades que justificam o investimento de R$ 2 milhões na planta nó-de-cachorro. Para ele, o desenvolvimento de produtos fitoterápicos é trabalhoso, mas o processo é menos complexo do que fabricar remédios químicos. "A sabedoria popular já te dá pistas importantes sobre o uso medicinal das plantas, enquanto no caso dos sintéticos é preciso desenvolver uma molécula", acrescenta.
As descobertas já foram patenteadas pela Biosintética, que também pretende financiar pesquisas para descobrir as utilidades da folha da planta. "O resultado desses quatro anos de pesquisa foi divulgado no segundo semestre do mês passado no XVI Simpósio de Plantas Medicinais dos Brasil. Apresentamos 11 trabalhos que explicam a origem, os usos, a forma de reprodução, o resultado dos testes e o que estamos fazendo no Programa Nó de Cachorro", disse Miramy Macedo, pesquisadora da Universidade de Mato Grosso. Segundo a pesquisadora, a planta foi identificada e descrita pela primeira vez em 1949 por um cientista paulista que a recebeu de um membro do exército. Ela entrou nos registros de espécies com o nome de Heteropteris aphrodisiaca, e só agora, 51 anos depois, a primeira pesquisa acadêmica completa está sendo patrocinada. "Os resultados são animadores. Já comprovamos a eficácia da substância química da raiz nos testes com animais, e o passo seguinte será aplicá-los em humanos. Mas ainda não sabemos em quais produtos o laboratório pretende colocar o extrato químico do Nó de Cachorro para venda no mercado", disse Miramy.
Segundo Murillo Luchese, o nó de cachorro é uma Malpighiaceae, pertencente ao gênero Heteropteris Kunth, que foi identificada botanicamente em 1949, por Othon X. B. Machado, classificando-a de Heteropteris aphrodisiaca e definindo-a como planta medicinal, útil principalmente como afrodisíaca e contra o esgotamento nervoso. A etimologia do nome desta espécie pode ser estabelecida como: Hetero = desigual + pterys = asas, referindo-se ao fruto, que possui asas de tamanhos diferenciados. O termo aphrodisiaca tem origem em Afrodite, ou ainda referindo-se a estimulante sexual. Também é conhecida popularmente como nó-de-porco (Borôro), cordão-de-santo-antônio e cordão-de-são-francisco, jasmim amarelo, quaró, resendá-amarelo, ocinanta-rá-cad (Karajá), tintureiro. O possível uso do princípio ativo desta planta na constituição de medicamentos tem fomentado a realização de estudos fitoquímicos, como os de GALVÃO (1997), que comprovaram a presença de polifenóis, taninos condensados e hidrossolúveis, alcalóides, glicosídeos flavônicos, glicosídeos arométicos simples e glicosídeso cardiotônicos e a presença de saponinas pelo teste de espuma em extratos das raízes. ROCHA et al. (2002), têm realizado estudos caracterizando tecnologicamente o produto seco nebulizado de H. aphrodisíaca.
Elisaldo Carlini, foi o coordenador da pesquisa de doutorado de Eliana Rodrigues, cuja tese gerou um levantamento das ervas medicinais dos índios craôs. Carlini e Rodrigues procuravam usar a sabedoria tradicional dos curandeiros da tribo para desenvolver remédios fitoterápicos. Os pesquisadores haviam assinado uma carta de intenções preliminar com a Wyty-Cati (pronuncia-se "votôcatí), associação que representa três das 17 aldeias craôs da reserva no Tocantins. No documento, foi estabelecido que os indígenas teriam direito aos royalties (pagamento de propriedade intelectual) por qualquer medicamento que fosse desenvolvido pela pesquisa. Mas a Kapey, outra associação indígena que reúne todas as aldeias da etnia, diz ter sido excluída do acordo e pretende pedir R$ 20 milhões de taxa de bioprospecção (pelo acesso aos conhecimentos craôs) e R$ 5 milhões por danos morais, já que se sentiram "ludibriados" pelos cientistas. A pesquisa só foi aprovada pela Funai em 2001, dois anos depois de seu início, mas Carlini afirma que isso não enfraquece a posição da Unifesp. "Tivemos o aval da Fapesp, do CNPq e da reitoria da Unifesp", diz o farmacologista.
Os índios da etnia Krahô, que vivem no Tocantins, querem a continuidade do estudo que a Unifesp vinha fazendo sobre as plantas usadas por eles para fins terapêuticos, conforme registrado na ata da reunião realizada entre as lideranças indígenas, no início de julho de 2002. Ao propor a garantia dos direitos da comunidade indígena, a Unifesp esbarrou em questões ainda muito mal resolvidas no Brasil. A legitimidade e a representatividade dos índios é uma delas. Nem juristas, nem a Funai, nem o Ministério Público chegam a um acordo sobre o valor legal da assinatura dos índios, nem sequer definem quem poderia representá-los oficialmente. Assim, o protocolo de intenções assinado entre a Unifesp e a Associação Vyty-Cati, em fevereiro de 2001, não tem validade alguma. Esta é uma das razões para o estudo ter sido interrompido. Por enquanto, para prosseguir o estudo, os pesquisadores só têm como garantia a credibilidade dos índios. "Os pajés querem saber se as plantas que eles usam servem para curar doença de branco como a Aids e câncer. Essas informações são importantes para o nosso povo", diz Hapihy. "Eu sou da época que a palavra valia mais do que um contrato. Sei que para os índios ela também tem muito valor", comenta Carlini.
Fonte: http://www.mundoancestral.org.br/noticias/tesouroverdeexameonline2052001.htm